Por Kelly Freire Neuropsicanalista

Este artigo é um pequeno compilado dos conceitos mais relevantes formulados por Melanie Klein. Encontra-se dividido em três partes principais: a primeira parte é uma contextualização da vida de Melanie Klein e seu encontro com a psicanálise. A segunda parte é uma explanação dos principais conceitos elencados em tópicos para facilitar a leitura. E a terceira e última parte contém uma conclusão diferencial dos principais pontos de convergência e divergência entre a teoria kleiniana e a teoria freudiana.

Quem foi Melanie Klein

Melanie Klein foi uma austríaca nascida em Viena em 30 de março de 1882, com o nome de Melanie Raízes. Ela foi a quarta filha, pouco desejada, de um casal de judeus que não se entendiam.

Teve a sua vida atravessada por várias perdas que marcaram toda sua experiência subjetiva e que provavelmente contribuíram para a elaboração de sua obra teórica. Aos quatro anos sua irmã Sidonie, então com 8 anos, morreu de tuberculose, aos 18 anos seu pai desapareceu, deixando-a sob os cuidados da mãe Libussa, que “tinha personalidade tirânica, possessiva e destruidora” (Roudinesco & Plon, 1998, p. 431). Aos 20 anos perdeu seu irmão Emmanuel, com quem tinha uma forte relação afetiva.

Seu objetivo de se tornar médica psiquiatra foi interrompido, provavelmente, pela condição financeira que assolou sua família após a morte de seu pai. E pelo mesmo motivo, casou-se em 1903 com Arthur Klein, engenheiro de condição financeira razoável, de quem ela adotaria o sobrenome Klein e viria a se divorciar em 1922.

Depois de seu casamento foi morar em Budapeste na Hungria e cronicamente deprimida foi mãe de três filhos: Hans, seu primogênito, que morreu num acidente aos 26 anos de idade, Melitta, que se tornou psicanalista divergente das posturas e ideias de sua mãe, com a qual cortou relações e Erich seu filho mais novo. Todos foram analisados por ela.

Vale ressaltar que sua mãe, Libussa, mantinha intervenções constantes em sua família, tendo sido a cuidadora de seus filhos em momentos de adoecimento envolvendo inúmeras viagens e tratamentos para depressão entre 1907 e 1914.

O ano de 1914 marcou o falecimento de sua mãe e também o início de sua trajetória na psicanálise a partir da leitura de um texto de Freud – Sobre os Sonhos – e do início de sua análise com Sándor Ferenczi.

Em setembro de 1918 no V Congresso da International Psychoanalytical Association (IPA) que se realizou sob a coordenação da Sociedade Psicanalítica de Budapeste, na qual viria a integrar a partir de 1919, e que Karl Abraham era presidente, ela teve contato presencial pela primeira vez com Freud e é neste momento, verdadeiramente impressionada, que toma consciência de seu desejo de conduzir sua caminhada junto à psicanálise.

Em 1919, levada por Ferenczi, ela apresenta na Sociedade Psicanalítica de Budapeste seu primeiro estudo de caso contendo a análise de uma criança com o nome de Fritz que se tratava de seu próprio filho Erich. 

Em 1920 os transtornos políticos, a onda anti-semitismo e a queda do império austro-húngaro levaram a família Klein ao exílio em Berlim, na Alemanha. E foi lá que continuou sua formação na psicanálise, bem como sua análise com Karl Abraham até a interrupção inesperada por conta do falecimento de Abraham em 1925.

Focada em encontrar maneiras para análise de crianças pequenas comunicando em diversas conferências seus achados, por vezes controversos e/ou complementares aos princípios freudianos, ela se estabelece em 1926 em Londres após o convite de Ernest Jones, então presidente da Sociedade Britânica de Psicanálise.

A psicanálise esteve conectada à Melanie Klein até o seu falecimento aos 78 anos em 1960 por conta de um câncer de cólon. 

Seus postulados foram responsáveis por várias controvérsias com membros da comunidade psicanalítica, em especial com Anna Freud, com quem divergiu sobre a práxis psicanalítica com crianças e ainda assim, Melanie Klein é reconhecida não apenas na escola britânica de psicanálise, mas também em todas as escolas espalhadas pelo mundo. A sua técnica psicanalítica do brincar consolidou a possibilidade de análise de crianças como veremos a seguir.

Seus principais conceitos

Melanie Klein ficou conhecida por sua ênfase na importância dos primeiros anos de vida na formação da psique e na influência dos processos inconscientes no desenvolvimento emocional. Sua abordagem, conhecida como psicanálise infantil, revolucionou a compreensão da mente infantil, argumentando que as crianças são capazes de vivenciar complexas fantasias e conflitos emocionais desde muito cedo.

Além de suas contribuições teóricas, Klein também introduziu técnicas inovadoras, como o uso de brinquedos e jogos na terapia infantil – a técnica do brincar -, permitindo o acesso aos complexos conflitos inconscientes das crianças de uma forma não verbal.

Central para o trabalho de Klein é o conceito de posição esquizo-paranóide e posição depressiva. Ela descreveu como as crianças passam por estágios distintos de desenvolvimento emocional, cada um marcado por suas próprias ansiedades e mecanismos de defesa. Sua noção de inveja primária e a importância atribuída ao processo de introjeção são conceitos-chave em sua teoria, fornecendo uma compreensão única dos conflitos inconscientes e dos processos de reparação psíquica.

O legado de Melanie Klein continua a influenciar não apenas a psicanálise, mas também campos relacionados, como a psicologia do desenvolvimento e a psicoterapia infantil.

Técnica do brincar (play technique)

Minha prática com as crianças, assim como com os adultos, e toda a minha contribuição para a teoria psicanalítica derivam da técnica do brincar. (Klein apud J.D.Nasio, 1995, p. 140)

A técnica do brincar (play technique), também conhecida como análise lúdica, é uma abordagem terapêutica essencial na psicanálise infantil, especialmente no contexto do trabalho de Melanie Klein. Ela acreditava que as crianças se comunicam principalmente através das brincadeiras, e desenvolveu técnicas específicas para compreender os processos mentais das crianças por meio de suas atividades lúdicas. “Essa abordagem forneceu-lhe um caminho para o inconsciente da criança” (H. Segal, 1975, p.13).

Considerando que crianças muito pequenas ainda não conseguem se expressar totalmente pela linguagem num processo de associação livre, como é a regra no tratamento de adultos, de acordo com Nasio (1996) o brincar se torna um mecanismo metafórico onde as crianças representam simbolicamente fantasias, desejos e experiências. Segundo Segal (1975)  essa nova ferramenta estabelecida por Klein foi inspirada em Freud (1920) quanto ao brincar da criança com o carretel.

Para Melanie Klein, o brincar é uma forma de expressão simbólica que reflete o mundo interno da criança, suas fantasias, ansiedades e desejos. Durante a terapia, a criança é encorajada a brincar livremente enquanto o terapeuta observa e interpreta os temas recorrentes, os conflitos emergentes e as dinâmicas psíquicas subjacentes.

A técnica do brincar na psicanálise infantil baseia-se na ideia de que as crianças, muitas vezes, não têm as habilidades verbais totalmente desenvolvidas para articular seus pensamentos e emoções. O brincar proporciona um meio seguro para a expressão, permitindo que a criança trabalhe através de seus conflitos internos de uma maneira mais simbólica. O terapeuta, ao observar e interpretar essas atividades lúdicas, busca compreender os aspectos inconscientes do mundo interno da criança e facilitar o processo terapêutico.

Formação arcaica do supereu

“Classicamente, o supereu é definido como herdeiro do complexo de Édipo: são as proibições parentais que permanecem inscritas no sujeito após o declínio da relação edipiana”. (J.D.Nasio, 1996, p.147). Para Freud o supereu é constituído por volta dos 4-5 anos quando acontece o processo de internalização das proibições, exigências e ordem proveniente do interdito nas vivências familiares.

O conceito de “formação arcaica do supereu” é uma contribuição de Melanie Klein à teoria psicanalítica, especialmente em sua exploração do desenvolvimento psíquico infantil. “Segundo Melanie Klein, o superego não apenas precede o complexo de Édipo, mas também promove seu desenvolvimento”. (Segal, 1975, p. 18). Neste ponto diferenciando-se de Freud.

Para Melanie Klein, a formação arcaica do supereu refere-se à maneira como as primeiras introjeções e internalizações ocorrem na psique da criança. Ela estava particularmente interessada no impacto dessas introjeções no supereu nas fases iniciais do desenvolvimento infantil.

Durante a posição esquizo-paranóide (um dos estágios iniciais do desenvolvimento psíquico, de acordo com Klein), a criança experimenta a polarização de objetos em bons e maus. Nessa fase, os objetos são percebidos de forma extremamente dicotômica, e as ansiedades predominantes estão relacionadas à paranóia e à luta entre o desejo de preservar o objeto bom e o medo do objeto mau – seio bom e seio mau.

Melanie Klein sugere que, durante esse estágio, a criança internaliza não apenas os objetos externos, mas também as projeções emocionais associadas a esses objetos. Isso inclui sentimentos de amor e ódio em relação a esses objetos. Essas primeiras internalizações formam a base da formação arcaica do supereu.

Roudinesco & Plon (1998, p. 168) fizeram a seguinte contextualização:

Klein contesta em Freud a ideia de um corte entre um antes não edipiano (a mãe) e um depois edipiano (o pai). Ela substitui a organização estrutural por uma continuidade sempre atuante: o mundo angustiante da simbiose, das imagens introjetadas e das relações de objeto. Em síntese, um mundo arcaico e sem limites, no qual a lei (paterna) não intervém.

Assim, o supereu nasce a partir das primeiras introjeções e internalizações das relações emocionais da criança com seus objetos de cuidado. É uma formação “arcaica” porque ocorre nas fases iniciais do desenvolvimento e estabelece um substrato para o desenvolvimento subsequente do supereu, que continuará a evoluir ao longo da infância e da vida adulta.

A formação arcaica do supereu tem implicações para o entendimento das dinâmicas emocionais e dos conflitos psíquicos nas fases iniciais do desenvolvimento, influenciando a maneira como a criança percebe o mundo e internaliza as normas e valores sociais. Esses processos são fundamentais na compreensão da teoria kleiniana sobre o desenvolvimento da psique infantil.

Posição esquizo-paranóide e posição depressiva

Melanie Klein contribuiu significativamente para o campo da psicanálise ao desenvolver conceitos fundamentais, como a posição esquizo-paranóide e a posição depressiva. Estes conceitos são parte integrante da teoria kleiniana, que busca compreender o desenvolvimento psíquico na infância e as dinâmicas emocionais subjacentes. 

De acordo com Roudinesco & Plon (1998, p.594):

A ideia de posição depressiva foi introduzida por Melanie Klein, em 1934, para designar uma modalidade da relação de objeto consecutiva a uma posição persecutória (ou paranóide). Esta intervém durante o quarto mês de vida e vai sendo superada ao longo da infância, sendo depois reativada, durante a vida adulta, no luto ou, de maneira mais grave, nos estados depressivos. Em 1942, Melanie Klein introduziu, em lugar da idéia de posição persecutória, a de posição esquizo-paranóide, o que permitiu, do ponto de vista evolutivo, definir a passagem da posição esquizo-paranóide para a posição depressiva como a marca fundamental, em todo sujeito, da passagem de um estado arcaico de psicose para um funcionamento normal.

A posição esquizo-paranóide refere-se ao estágio inicial do desenvolvimento psíquico do bebê e é dominada pelo sadismo (J.D Nasio 1996, p.148). Nessa fase, a criança percebe o mundo através de uma lente de extremos, caracterizada por polaridades como bom/mau e amor/ódio. Klein argumenta que, nesse estágio, o bebê experimenta uma divisão primitiva entre partes boas e partes más de si mesmo e dos outros. As ansiedades predominantes são centradas na paranóia, onde o medo da perda do objeto amado e a hostilidade são elementos-chave. A criança, nesse estágio, muitas vezes lida com essas ansiedades por meio de mecanismos de defesa primitivos, como a clivagem e a projeção.

Por outro lado, a posição depressiva representa um estágio posterior do desenvolvimento infantil. Nesta fase, a criança começa a integrar gradualmente suas percepções, reconhecendo a ambivalência nas relações interpessoais e a coexistência de emoções conflitantes. O conceito central é a “depressão normal”, onde a criança experimenta sentimentos de perda, culpa e remorso em relação a danos causados ao objeto amado. A capacidade de tolerar a ambivalência e de reparar o dano torna-se crucial nesta fase. A criança desenvolve a capacidade de simbolizar e compreender as nuances nas relações, superando a visão dicotômica característica da posição esquizo-paranóide.

É importante ressaltar que essas posições não são estágios rígidos e lineares; em vez disso, são conceitos, que ela chamou de “posição” propositalmente, que destacam as dinâmicas emocionais predominantes em diferentes fases do desenvolvimento psíquico infantil. Klein argumenta que essas posições moldam a personalidade e influenciam a forma como os indivíduos lidam com ansiedades e conflitos ao longo de suas vidas.

Os conceitos da posição esquizo-paranóide e da posição depressiva de Melanie Klein proporcionam uma compreensão profunda do desenvolvimento emocional infantil, enfatizando a importância da ambivalência, da simbolização e do enfrentamento das ansiedades para a formação saudável da psique.

Identificação projetiva

Em 1946, numa comunicação apresentada à British Psychoanalytical Society (BPS) Melanie Klein revela a criação de um novo conceito chamado de identificação projetiva para “designar uma certa forma projetiva e de identificação que consiste em introduzir a própria pessoa no objeto para prejudicá-lo”. (Roudinesco & Plon, 1998, p. 366).  “Mas também é possível que sejam projetadas partes boas, permitindo à criança desenvolver relações estáveis com os objetos necessários à constituição do eu”. (J.D.Nasio, 1996, p.160).

Melanie Klein desenvolveu essa ideia para descrever um processo psicológico pelo qual os indivíduos projetam partes de si mesmos, especialmente aspectos emocionais ou conflitos internos, em outros objetos externos, como pessoas ou objetos do mundo ao seu redor.

A identificação projetiva envolve não apenas projetar sentimentos e pensamentos internos em outra pessoa, mas também influenciar ativamente essa pessoa para que ela manifeste, de alguma forma, os elementos projetados. Em outras palavras, a pessoa que projeta busca ativamente induzir na outra pessoa sentimentos, pensamentos ou características que estão causando desconforto ou ansiedade interna.

Esse processo é considerado uma forma de defesa, um mecanismo de enfrentamento, através do qual o indivíduo lida com sentimentos difíceis ou inaceitáveis, transferindo-os para o ambiente externo. Melanie Klein argumentou que a identificação projetiva desempenha um papel significativo no desenvolvimento emocional, especialmente durante a infância, quando as capacidades de simbolização e elaboração psíquica estão em processo de formação.

A identificação projetiva também é relevante nas relações interpessoais adultas, onde indivíduos podem projetar aspectos de seu mundo interno, como medos, desejos ou inseguranças, em seus relacionamentos. Compreender e trabalhar com a identificação projetiva é essencial na prática clínica da psicanálise, pois oferece insights sobre os padrões de relacionamento e as dinâmicas psíquicas subjacentes.

Trauma do desmame e conflito edípico

O trauma do desmame refere-se a uma fase específica do desenvolvimento infantil relacionada à transição da alimentação exclusivamente materna para uma dieta mais diversificada e a introdução de alimentos sólidos. Klein acreditava que essa transição não se tratava apenas de um evento físico, mas também carregava implicações psicológicas significativas. 

Diferentemente de Freud que apontava como um grande trauma edípico a castração da mãe representada pela possível privação do pênis,  Melanie Klein postulou que a castração simbólica é representada pelo trauma do desmame,  colocando como temática central o “seio materno” e não o “pênis paterno”. Segundo Nasio (1996, p.150), para Klein o corpo da mãe é o pivô de todos os processos sexuais da criança. 

Durante o desmame, a criança é confrontada com a necessidade de lidar com a dependência anterior do seio materno. A dificuldade nesse processo pode gerar ansiedades e conflitos emocionais. Klein argumentou que, dependendo da forma como essas ansiedades são processadas, podem surgir diferentes mecanismos de defesa e formas de lidar com as emoções, moldando assim a personalidade futura da criança. 

O conflito edípico é uma fase do desenvolvimento psicossexual que Freud propôs inicialmente, mas Klein expandiu e reinterpretou. Tradicionalmente, o Complexo de Édipo de Freud envolvia um desejo inconsciente da criança pelo genitor do sexo oposto e uma rivalidade com o genitor do mesmo sexo. Para Klein, essas dinâmicas edípicas começam muito mais cedo na infância, são mais complexas e são responsáveis pelo surgimento do supereu arcaico. 

De acordo com Nasio (1996, p. 149) para Melanie Klein as tendências edipianas são liberadas por volta dos 2 – 3 meses por conta da frustração experienciada no desmame e são reforçadas pelas frustrações anais e uretrais sofridas na aprendizagem da higiene. Para Klein, o conflito edípico começa na posição depressiva, que é a fase seguinte à posição esquizo-paranóide. Nesse estágio, a criança desenvolve a capacidade de simbolização e começa a perceber a ambivalência nas relações. Ela se torna consciente de seus próprios desejos amorosos e hostis em relação aos pais e experimenta sentimentos de culpa e preocupação pela integridade do objeto amado.

O conflito edípico kleiniano está intrinsecamente ligado à resolução da ambivalência emocional. A criança busca reconciliar seus sentimentos contraditórios e aprende a lidar com as ansiedades associadas. O sucesso nessa resolução é crucial para o desenvolvimento saudável do supereu e das relações interpessoais ao longo da vida.

Amor, Culpa e Reparação

O primeiro objeto de amor e ódio do bebê – a mãe – é ao mesmo tempo desejado e odiado com toda intensidade e força características dos anseios arcaicos da criança. (Melanie Klein, 1996)

No texto “Amor, Culpa e Reparação” Melanie Klein aborda as dinâmicas emocionais na relação mãe-bebê e seus efeitos no desenvolvimento do sujeito adulto. Klein argumenta que desde os primeiros estágios da infância, o bebê experimenta um conflito entre amor e ódio em relação à mãe, o que influencia sua percepção do mundo e de si mesmo. 

Segundo Klein (1996), ao mesmo tempo que a mãe satisfaz todas as necessidades de autopreservação desde os primórdios da vida e o bebê a percebe como o objeto que satisfaz todos os seus desejos – o seio bom, a relação com a mãe também desperta os impulsos mais agressivos no bebê e quando esse objeto não consegue satisfazer todos os seus desejos ele torna, na fantasia da mente do bebê, o seio mau. O amor e o ódio lutam entre si na mente da criança e essa luta se faz presente na vida do adulto pelo resto da vida e pode se tornar fonte de perigo nas relações interpessoais. 

A autora destaca a importância da culpa como um fator motivador para a reparação psicológica. Segundo ela, quando o bebê sente culpa por seus sentimentos ambivalentes em relação à mãe, ele busca formas de reparar essas emoções através de mecanismos psicológicos saudáveis, como a empatia e o cuidado com os outros.

Tanto na mente inconsciente da criança quanto na do adulto, ao lado dos impulsos destrutivos há uma profunda ânsia de fazer sacrifícios, a fim de ajudar e restaurar as pessoas amadas que foram feridas ou destruídas na fantasia.(Melanie Klein,1996)

Klein também discute a relevância da relação mãe-bebê na formação do superego, a parte da mente que internaliza os valores morais e sociais. Ela argumenta que a qualidade dessa relação influencia diretamente na formação do superego e, consequentemente, na capacidade do indivíduo de lidar com a culpa e a responsabilidade moral ao longo da vida. 

A reparação é um conceito central na posição depressiva, que se segue à posição esquizo-paranóide no desenvolvimento emocional. Nesta fase, a criança começa a integrar suas percepções, reconhecendo a ambivalência nas relações. A reparação envolve a capacidade de a criança se sentir responsável por seus sentimentos destrutivos, buscando ativamente restaurar o objeto danificado. É um processo que contribui para a formação do supereu e para o desenvolvimento saudável das relações interpessoais. 

Ao mesmo tempo, em nossa fantasia inconsciente compensamos os danos que fizemos em fantasia, e pelos quais ainda nos sentimos culpados inconscientemente. Em minha opinião, esse ato de fazer reparação é um elemento fundamental do amor e de todas as relações humanas; assim, irei me referir muitas vezes a ele no decorrer deste trabalho. (Melanie Klein,1996)

Estes conceitos elaborados por Melanie Klein exploram as complexas interações emocionais na relação mãe-bebê e destacam a importância do amor, da culpa e da reparação na formação psicológica e moral do indivíduo.

Inveja e Gratidão

Considero que a inveja é uma expressão sádico-oral e sádico-anal de impulsos destrutivos, em atividade desde o começo da vida, e que tem base constitucional.  (Melanie Klein, 1991)

Os conceitos de inveja e gratidão foram descritos por Melanie Klein no Volume III das Obras Completas de Melanie Klein como Inveja e Gratidão e outros trabalhos e estão intimamente ligados aos conceitos de pulsão de morte e pulsão de vida; seio bom e seio mau, bem como das relações objetais.

Os sentimentos do bebê parecem ser que, quando o seio o priva, este se torna mau porque retém só pra si o leite, o amor e os cuidados associados ao seio bom. Ele odeia a inveja aquilo que sente ser o seio mesquinho e malevolente. (Melanie Klein, 1991)

A inveja, para Klein, é uma emoção complexa que pode surgir desde as fases mais precoces do desenvolvimento. A criança pode experimentar inveja em relação ao seio materno ou ao pênis do pai, por exemplo. A inveja é vista como uma resposta ao desejo de possuir e controlar o objeto desejado pelo outro. Klein argumenta que a capacidade de lidar com a inveja é crucial para o desenvolvimento emocional saudável. 

Assim como a inveja, a gratidão é uma emoção que se desenvolve nas relações interpessoais. A criança aprende a reconhecer e valorizar o objeto bom, experimentando sentimentos de gratidão. A capacidade de sentir gratidão está ligada à capacidade de simbolização e tem suas raízes nas emoções e atitudes que surgem no estágio mais inicial da infância, quando para o bebê, a mãe é o único e exclusivo objeto.

Um dos principais derivados da capacidade de amar é o sentimento de gratidão. A gratidão é essencial à construção da relação com o objeto bom e é também o fundamento da apreciação do que há de bom nos outros e em si mesmo.  (Melanie Klein, 1991)

Esses conceitos destacam a complexidade das emoções e das relações interpessoais desde as fases iniciais do desenvolvimento. Eles são cruciais para a compreensão da teoria de Melanie Klein sobre o desenvolvimento emocional infantil e oferecem insights valiosos sobre os processos psíquicos que moldam a personalidade e as dinâmicas sociais ao longo da vida.

Conclusão diferencial dos principais pontos entre a teoria kleiniana e a teoria freudiana.

Após esta breve apresentação dos principais conceitos elaborados por Melanie Klein podemos observar alguns pontos convergentes, outros divergentes e muitos outros complementares à teoria freudiana que sempre foi a sua base de estudos na qual apoiou-se para dar continuidade e uma certa complementaridade às descobertas e postulados de Freud. 

Klein foi profundamente envolvida pela sua vontade de analisar crianças e revelar desde os primórdios os mecanismos que geram impacto psíquico por toda a vida do sujeito. Seus traumas pessoais, seja por todas as suas perdas, seja pela situação da sua própria saúde física e mental podem ter colaborado para que ela contribuísse tanto com a psicanálise. 

Destaco aqui alguns pontos que foram, ou na realidade, ainda são, divergentes ou apenas complementares à teoria freudiana:

A obra de Melanie Klein é de fundamental importância para o campo da psicanálise e da psicologia como um todo. Seus estudos pioneiros sobre a relação mãe-bebê e as dinâmicas emocionais na infância revolucionaram a compreensão do desenvolvimento psicológico humano. Ao introduzir conceitos como o complexo de Édipo precoce, formação do supereu arcaico e a importância dos primeiros anos de vida na formação da personalidade, Klein trouxe uma perspectiva inovadora que influenciou profundamente a teoria psicanalítica. Além disso, seu trabalho com crianças permitiu uma compreensão mais profunda dos processos mentais em estágios iniciais da vida, contribuindo para a prática clínica e para a compreensão das dinâmicas familiares.  

A abordagem de Klein também enfatizou a importância do inconsciente e dos conflitos emocionais na vida mental, ampliando o escopo da psicanálise e inspirando gerações posteriores de psicoterapeutas e pesquisadores. Em resumo, a obra de Melanie Klein é crucial para o entendimento da psicodinâmica humana e continua a influenciar o pensamento e a prática clínica na psicanálise e na psicoterapia contemporâneas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Freud,Sigmund. (2022). Fundamentos da clínica psicanalítica. Obras incompletas de Sigmund Freud;6. Belo Horizonte: Autêntica.

Freud,Sigmund. (2021). Compêndio da psicanálise e outros escritos inacabados. Obras incompletas de Sigmund Freud;3.  Belo Horizonte: Autêntica.

Garcia-Roza, Luiz Alfredo. (2008). Introdução à Metapsicologia Freudiana. Artigos de metapsicologia, 1914-1917; v3. Rio de Janeiro: Zahar.

Klein, M. (1996). Amor, culpa e reparação e outros trabalhos (1921-1945). Rio de Janeiro: Imago.

Klein, M. (1991). Inveja e gratidão e outros trabalhos (1946-1963). Rio de Janeiro: Imago.

Nasio, J.-D. (1995). Introdução às obras de Freud, Ferenczi, Groddeck, Klein, Winnicott, Dolto, Lacan. Rio de Janeiro: Zahar.

Oliveira, Marcella Pereira. Melanie Klein e as fantasias inconscientes. Winnicott e-prints. Série 2, vol. 2, nº 2, ano 2007.

Roudinesco, Elisabeth; Plon, M. (1998). Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar.

Segal, H. (1975). Introdução à obra de Melanie Klein. Rio de Janeiro: Imago.

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