Por Kelly Freire Neuropsicanalista

O termo narcisismo foi usado pela primeira vez em 1909 em Viena no momento em que Freud aponta um estágio necessário entre o auto-erotismo e o amor objetal.

O auto-erotismo é um estado da sexualidade infantil que antecede o narcisismo, considerado, por sua vez, a condição de formação do “eu”, podendo até se confundir com o próprio “eu”. E para que se dê forma ao narcisismo, acrescenta-se ao auto-erotismo o “eu”.

O narcisismo é, portanto, considerado uma condição normal do desenvolvimento do sujeito. O termo “narcisismo” deriva do mito de Narciso, um jovem na mitologia grega que se apaixonou por sua própria imagem refletida na água e, eventualmente, morreu devido à sua incapacidade de se desviar desse amor por si mesmo.

Freud descreveu o narcisismo como tendo duas formas principais: o narcisismo primário e o narcisismo secundário.

O narcisismo primário ocorre na infância, particularmente nos primeiros meses de vida. Revela-se aqui o conceito de “Eu Ideal” que surge da imagem unificada do próprio corpo e da revivificação do narcisismo dos pais que projetam nos filhos todas as perfeições possíveis, encobrem os defeitos e, além disso, direcionam a criança à tudo aquilo que seus pais tiveram que renunciar: Sua Majestade o Bebê. O “Eu Ideal” é efeito da postura dos pais, que a partir do momento que abandonam a consciência crítica, produzem uma imagem idealizada do sujeito (do filho, no caso).

No narcisismo secundário há um retorno ao eu dos investimentos libidinais feitos sobre os objetos externos. Segundo Lacan, há uma nova “forma” da libido narcísica que é o “Ideal do eu”, surgindo aqui a identificação ao outro a partir das exigências, segundo Freud, impostas “desde fora”, algo que o sujeito terá que atender ou satisfazer e que se situam no lugar da lei, como um pilar da moralidade.

Vale ressaltar que o “Eu Ideal”, para Freud, não é uma fase inicial a ser  superada e substituída por uma nova fase, que seria o “Ideal do eu”. Ambas as formas permanecem ainda no indivíduo adulto e o que seria considerado saudável é o equilíbrio entre o “Eu Ideal” (como sendo a própria demanda) e o “Ideal do Eu” (como sendo a demanda externa).

Relembrando que, para Freud, a causa específica da neurose é sempre ligada a um fator sexual, que o levou a envolver seu trabalho com conceitos como pulsão de vida, pulsão de morte, sexualidade infantil, libido, complexo de édipo e a considerar a sexualidade humana como errante, não adaptativa e não obedecendo a nenhuma finalidade de preservar a espécie.

É importante notar que o narcisismo, para Freud, é uma parte normal do desenvolvimento humano. No entanto, em alguns casos, pode haver uma disfunção do processo narcísico, resultando em um desenvolvimento psicológico prejudicado. Isso pode levar a traços de personalidade narcisista, nos quais a pessoa apresenta um exagerado amor-próprio, busca por admiração constante e falta de empatia pelos outros. Ou ainda, uma insuficiência de amor-próprio por conta de alguma perturbação no estágio de narcisismo primário, sendo este importante para a formação do eu.

Nota-se que o processo narcísico além de normal para o desenvolvimento humano, é essencial para a regulação do amor-próprio, bem como para a capacidade empática do sujeito, à medida que, dentro de um processo equilibrado, ele consegue direcionar a libido tanto para a manutenção de si próprio como para o outro, sem que haja excessos ou prejuízos de nenhuma das direções.

Kelly Freire

Neuropsicanalista

@kellyfreirepsicanalista

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